Tem coisa mais perfeita do que uma sala de cinema para namorar e sentir medo? A luz apaga, a pipoca estoura, a mão procura outra no escuro seja para puxar num beijo meloso ou para agarrar no susto. Agosto, mês que sempre carrega a fama de ser o mais arrastado do calendário, chega este ano com pelo menos dois grandes filmes em cartaz. Amores Materialistas e Faça Ela Voltar são experiências teoricamente opostas, mas irmãs na intensidade. Uma é um estudo de amor com verniz de comédia romântica. A outra, um terror psicológico que bate forte e torto, como um soco no estômago. Ambas escancaram o que o cinema tem de melhor: boas surpresas na sala escura.
Amores Materialistas é dirigido por Celine Song cineasta e roteirista que já mostrou a que veio com o romance Vidas Passadas, indicado ao Oscar nas categorias de Melhor Filme e Roteiro Original. Song sabe lapidar sentimentos e mergulha de cabeça em um território tradicionalmente dominado por estereótipos: a comédia romântica. Só que ela não tem tempo para clichê. Dakota Johnson interpreta uma casamenteira que, ironicamente, não sabe se casa. Entre Pedro Pascal (o sujeito mais onipresente do cinema atual) e Chris Evans (o eterno Capitão América), ela costura um dilema que vai muito além de com quem vai ficar.
Song não está interessada na resposta fácil ela quer expor as engrenagens afetivas, as convenções de gênero e o materialismo emocional que moldam nossos relacionamentos em tempos de superexposição e de “arraste para a direita” no Tinder. Não espere piadinhas bobas, trilha sonora açucarada ou final de conto de fadas, mas sim uma crônica contemporânea sobre uma mulher que tenta entender se o amor é escolha ou destino e como isso se encaixa em uma sociedade que trata o casamento como upgrade de vida. Se você tem preconceito com comédias românticas, tente deixar de lado: o longa é melhor quando visto pelo que é, não pelo que parece.
Faça Ela Voltar é um terror de responsa, como já não se faz com tanta frequência. A produção é da A24, estúdio moderninho que virou sinônimo de filmes autorais. E não se pode negar que o longa carrega o DNA perturbado dos cineastas Michael e Danny Philippou irmãos gêmeos que devem ter dado muito trabalho para a mãe. Se você nunca ouviu falar deles, digite no YouTube “RackaRacka” e assista aos vídeos “Marvel vs DC” ou “Star Wars in Public”, ambos criados há dez anos.
Pois os irmãos cresceram, deixaram de lado o improviso e se tornaram promessa real do terror moderno. O primeiro longa deles, Fale Comigo, sobre um espírito que entra por uma mão embalsamada, deixou muita gente de cabelo em pé. Agora, em Faça Ela Voltar, os Philippou dobram a aposta e trocam o susto fácil pela tensão psicológica. A história acompanha dois meio-irmãos órfãos acolhidos por uma mulher em luto pela morte da filha. Não precisa nem de dez minutos em cena para perceber que a personagem (Sally Hawkins) é para lá de esquisita.
O filme é encharcado de um desconforto que cresce cena a cena, como aquele sonho que começa estranho e vira pesadelo. O mérito não está apenas na direção, mas também no roteiro, que não entrega o jogo de uma vez: quando você acha que entendeu tudo (boom!), a trama desanda lindamente. O resultado é um filme que assusta não só pelo que mostra, mas principalmente pelo que sugere. E cá entre nós, isso é bem mais apavorante.
Se restar dúvidas sobre o estilo da diretora Celine Song ou dos irmãos Philippou, uma dica: assista, em casa mesmo, seus filmes anteriores. Vidas Passadas e Fale Comigo estão disponíveis em canais de streaming. Gostou? Então é só conferir os novos títulos no escuro da sala, entre beijos e gritos e, de preferência, com o celular no modo avião.
Coluna produzida por: Carlos de Campos
Carlos de Campos é publicitário, especialista em marketing e cinema.
@chcampos